2/28/2005

A changing life

Ter uma insónia que dura até às sete da manhã, encontrar três isqueiros no meio dos lençóis e estar há várias horas sem cigarros – factos de estreita correlação – são fortes indícios de que um homem tem de mudar rapidamente de vida.

Montsé

Não sei se os teus olhos são daqueles que mudam de cor conforme a claridade.

Havia uma fotografia tua pendurada numa parede lá de casa, não sei se te recordas. Estavas com uma camisola verde que combinava na perfeição com os teus olhos, olhos verdes, grandes e felizes. Os dentes irrepreensíveis que sempre rasgavam um sorriso. Esse era o tempo em que brincávamos com a tua pronúncia inglesa, em que gozávamos com os teus th’s e h’s em geral. Eram outros tempos, foi quando aprendeste a deixar que brincassem contigo. Agora, presumo, continuas em B. Dessa cidade, apenas ouvi dizer que fica a duzentos e tal quilómetros de Londres. Embora me recuse a acreditar que seja uma cidade feia, como alguém disse, tenho dificuldade em imaginar-te entre armazéns cinzentos e céus industriais. Prefiro pensar-te em Málaga, perto do mar, deixando que o sol vá mudando a tonalidade dos teus olhos ao sabor das marés. Deixando que se tornem verdes e brilhantes. Quando chegares de B. vou visitar-te. Espero que a vida e o céu dessa cidade sem luz não tenham mudado a luz dos teus olhos. É mais do que um pedido hermético.

2/25/2005

Os Leões de Tolstoi

Não sabemos muito bem como nascemos, nós, os Leões de Tolstoi. Nascemos numa mesa do bar da faculdade. Voltamos a nascer durante as noites que fazíamos quentes de um Inverno gelado no Bairro Alto. Mas também nascemos em Salvador da Bahia. No Morro de São Paulo e por aí. E nascemos hoje, embora já tivéssemos nascido há muito. Conhecemo-nos há cinco anos, quando começamos o curso, mas nascemos Leões só quando o acabamos. Partilhámos noites, livros, conversas e cigarros. Dividimos angústias pequenas, risos intensos, bebedeiras apoteóticas. Somos os Leões de Tolstoi. “Há quem passe pelo bosque e só veja lenha para a fogueira.” Talvez o nosso mal seja esse: passamos pelo bosque e vemos tudo, menos a lenha para a fogueira. Mas, para o bem e para o mal, seremos assim: Leões de Tolstoi.