6/28/2005

Da reacção no Barnabé

Só agora é que vi que o que se assina ruitavares se regozija todo pela vitória para lá do Miño. Mas esse regozijo todo por "provavelmente" a Xunta vir a ser governada, entre outros, pelo Bloco de lá soa um bocado a parolice. Ai que bons que eles são, ai eles são o Bloco de lá, ai ena ena! Mas acho que sim. O que conta, afinal, até são as vitórias, não é? Sejam elas profundamente democráticas, ou democráticas assim assim, ou pouco-democráticas-mas-é-o-que-se-arranja-e-melhor-nos-serve. Já dizia o outro que a democracia era o melhor que havia, mas tão imperfeita...

Os Fragas

Durante uns anos nutri alguma simpatia pelo Fraga galego. Confesso que apenas porque todos os Fragas que conheço são óptimas pessoas. Mas depois cresci, aprendi a muito custo que os comunistas não comem criancinhas, que os judeus afinal não são bonzinhos e batem nos filhos e que o Prado Coelho afinal não é muito esperto (melhor, é um espertalhão de primeira, o sacaninha). E aprendi, a um custo ainda maior, que há Fragas menos bons. (Já tinhamos visto que não há Fragas maus.) O Fraga lá dos galegos então era assim um velho que tem ar de apalpar as sobrinhas-netas e mastigar de boca aberta. Mas isso não implica que tenha ficado contente com as eleições na espanha mais portuguesa. (Ai, Jesus!) Isto só por uma razão... pequenina, dizem os meus amigos mais canhotos... É que afinal o PP do Fraga galego, o PP do Rajoy que não sabe dizer os Jotas, o PP que se envergonha quando o Aznar é recebido na Casa Branca como chefe de Estado já não o sendo, o PP da Doña Ana e seus desvarios como consejal, o PP da Constanza Aguirre e do seu cabelo à Ana Bola no tempo da Mulher do Senhor Ministro, enfim, foi o partido mais votado nas eleições galegas. Pois é. Mas uma aliança bastou para a esquerda tomar conta daquilo tudo. E o Fraga babão lá foi cuidar das orquídias para a finca. Gostava agora de ouvir dizer as mesmas coisas que se disseram das coligações da direita, das vitórias à rasca do Bush, etc e tal. Pois é.

Mas estou contente com a saída do velhadas. Aquela ditadura era um bocadito inadmissível, ainda que tantas perdurem na España democrática pós-pós-transición. Mas é que gostava ouvir... assim... os barnabés sobre o assunto.

PS - Hugo Real, também gostava de ouvir uma opinião tua. Já não discordamos há algum tempo.

6/22/2005

Madrugadas

Gosto das madrugadas de verão. De acender um cigarro e achar que as horas podem suceder-se, mas que importa? Aliás, as madrugadas de verão são o antídoto das agendas. Gosto das madrugadas de verão quando penso o quanto é tarde e, mentalmente, desmarco-me até ao meio-dia.

6/21/2005

A deusa Kali, o amigo Hugo e o dia de hoje

Quando tinha para aí uns onze anos havia uns livros do Triângulo Jota. O meu preferido passava-se em redor de uma data: o dia do solstício de verão. Rezava aquela história que o 21 de Junho era o dia em que Kali, a terrível deusa indiana e esposa má de Shriva, abria as suas goelas para se alimentar do sangue de jovens machos virgens. Essa Kali. Outro facto interessante: as dádivas a Kali tinham de fazer 16 anos a 21 de Junho. Esse era o jogo. Pois bem, lembro-me de, numa primeira fase, ficar muito contente por só fazer anos cinco dias depois. Mas depois, fiquei durante alguns anos preocupado com um grande amigo meu. É que o Hugo fazia anos no dia do solstício. Nem mais, nem menos. Para meu grande espanto, um pouco antes de completar o seu décimo sexto aniversário, o Hugo desapareceu. Fiquei preocupado, pois lembrei-me do livro, da data, da Kali, do Triângulo Jota e afins. Algo de terrível se teria passado com o Hugo e eu temia que Kali não fosse para brincadeiras. Só um mês depois, não quero precisar, é que pude descansar. Ou nem por isso. O meu amigo não foi engolido pela sedenta deusa indiana. Pior, teve de fugir para Moçambique com a família para fugir das dívidas. Pelo menos, era uma situação… reversível.

6/19/2005

Quote

"A crença seja no que for é um resíduo de
tudo o que falhou".

Vergílio Ferreira (1916-96), escritor
português.

6/16/2005

Os meus começos III

Dos de los três han muerto desde que me fui de Oxford, y eso me hace pensar, supersticiosamente, que quizá esperaron a que yo llegara y consumiera mi tiempo allí para darme ocasión de conocerlos y para que ahora pueda hablar de ellos.

Todas las Almas, Javier Marías

Os meus começos II

O quarto verso do poema falava de pequenas pevides dentro de uma maçã. Eu não conhecia aquela palavra, pevides. O livro era de Teresa e estava sobre a mesa da cozinha, junto com um saca-rolhas e um porta guardanapos e uma lista de compras da qual constavam, entre outras coisas, vinho e guardanapos.

Adriana Lisboa, Um Beijo de Columbina

Os meus começos I

Nem toda a gente sabe que penso nunca voltar a Veracruz e às suas praias longínquas. Fui feliz aí, o mês passado, em noite de lua cheia, em Los Portales, nem antes nem depois dessa noite, no último mês de Julho da minha juventude. Mas penso nunca voltar, pois sei muito bem que a nostalgia de um lugar apenas se enriquece se se conservar como nostalgia, e que a sua recuperação significa a morte.

Enrique Vila-Matas, Longe de Veracruz

6/15/2005

A Galiza é tão trágica como o Alentejo. Profunda. Triste. Insensata. Apenas mudam as cores.

E a neblina.

Elogio de la sombra (porque acho que cai bem nestes dias)

La vejez (tal es el nombre que los otros le dan)
puede ser el tiempo de nuestra dicha.
El animal ha muerto o casi ha muerto.
Quedan el hombre y su alma.
Vivo entre formas luminosas y vagas
que no son aún la tiniebla.
Buenos Aires,
que antes se desgarraba en arrabales
hacia la llanura incesante,
ha vuelto a ser la Recoleta, el Retiro,
las borrosas calles del Once
y las precarias casas viejas
que aún llamamos el Sur.
Siempre en mi vida fueron demasiadas las cosas;
Demócrito de Abdera se arrancó los ojos para pensar;
el tiempo ha sido mi Demócrito.
Esta penumbra es lenta y no duele;
fluye por un manso declive
y se parece a la eternidad.
Mis amigos no tienen cara,
las mujeres son lo que fueron hace ya tantos años,
las esquinas pueden ser otras,
no hay letras en las páginas de los libros.
Todo esto debería atemorizarme,
pero es una dulzura, un regreso.
De las generaciones de los textos que hay en la tierra
sólo habré leído unos pocos,
los que sigo leyendo en la memoria,
leyendo y transformando.
Del Sur, del Este, del Oeste, del Norte,
convergen los caminos que me han traído
a mi secreto centro.
Esos caminos fueron ecos y pasos,
mujeres, hombres, agonías, resurrecciones,
días y noches,
entresueños y sueños,
cada ínfimo instante del ayer
y de los ayeres del mundo,
la firme espada del danés y la luna del persa,
los actos de los muertos,
el compartido amor, las palabras,
Emerson y la nieve y tantas cosas.
Ahora puedo olvidarlas. Llego a mi centro,
a mi álgebra y mi clave
a mi espejo.
Pronto sabré quién soy.


Jorge Luis Borges

No Santo Antonio(também lá estive)

Lá, diga-se, refere-se à zona do castelo de S. Jorge.

Que eu saiba, S. António não é um local...

Como de costume saí da Renascença à uma da manhã e dirigi-me para lá, local préviamente combinado com amigos que já iam adiantados na sua celebração do dia do dito Santo.

Dei logo de caras com os meus companheiros B. e M. Infelizmente M. zarpou noite fora e nunca mais a vi... Acompanhei B. e restante grupo pela agitada noite.

Lembro-me de um certo batuque inecessante que dois individuos faziam ao bater vigorosamente numa caixa de metal...ao fim de 30 minutos seguidos tornou-se bastante incómodo.

Havia também um certo encontro com umas meninas, muito antecipado á porta da Sé, quie se realizou sob alguma chuva...um encontro molhado portanto.

O nosso caro companheiro L. também deu de si. Terminei a noite com ele em busca de taxis, já o dia raiava...

No Santo António

"Descobri os motivos da crise da Filosofia no mundo actual", disse eu, quase a medo, quase ao ouvido - porque estava muita gente, muito barulho e muito álcool no ar e eu queria frisar bem aquilo -, quase em segredo. Ele olhou para mim, tentando reflectir com seriedade durante alguns segundos (qualquer réstea de seriedade que ainda conseguisse agarrar dentro de si naquele momento) e declarou finalmente:
- Oh Joana... - não, Mariana!, esta minha cabeça! - Tu és tão inteligente...!
Eu soltei uma leve e fresca garagalhada, como quem se esforça por dar crédito às palavras embriagadas de alguém. Um pouco envergonhada, um pouco confusa até. E reclamei:
- Oh... (expressão portuguesa para "tája gozar, bebedolas dum raio!") Lá estás tu na brincadeira...
- Não estou! Não estou, Joana (Mariana!, mas o que é que se passa comigo!?) Eu acho que tu és... o paradigma da inteligência actual. A sério. Tu preocupas-te com coisas tão actuais, tão... oh Joana...!
Foi nessa altura que me rendi - nunca ninguém me tinha chamado paradigma.

O diário das meninas que estudam como se não houvesse amanhã

Na sexta-feira começam os exames do 12º ano. Duas rapariguinhas dos seus 17-18 anos têm publicado diariamente no PÚBLICO, enviando textos inflamados que querem traduzir o seu estado de espírito nos dias que antecedem os grandecíssimos papões que são as provas nacionais.
Escrevem como se fossem prisioneiras da vida e do saber, como se o ardente asfalto primaveril lhes queimasse os pézinhos e os raios de sol lhes dessem cabo das pestanas dos olhos, só preocupadas em absorver as matérias sobre as quais se debruçam 24 sobre 24. Os excertos destas piquenas transmitem-me nostalgia, ao mesmo tempo que a sua ingenuidade intelectual me confrange ligeiramente.
Inveja. Quem me dera estar agora a estudar para os exames nacionais. Entre Pessoa e Cesário, Platão e Wittgenstein, eu seria uma menina bem feliz. Mas a Joana e a Francisca só vão perceber isso daqui a uns aninhos.

6/14/2005

Certos e determinados dizeres de redacção

Há um costume aqui na redacção que dá cabo de mim. É um tique de linguagem generalizado, juntamente com o «opá» - "opá, não há mails, caraças?!", dizia certa vez a editora mais glamourosa do jornal -, que surge recorrentemente no processo de interacção dos habitantes sui generis deste espaço. Posso até juntar os dois dizeres, para formar uma frase completa ilustrativa. Mais ou menos assim: «opá. Desculpa lá». Começam de se me eriçar os pelinhos dos braços, por aí acima, até ficar toda arrepiada. Tenho vontade de iniciar uma valente chinfrineira, como quem diz... "Opá. Não gosto que se me dirijam em modos de 'desculpa lá', caraças! Olha a porra, hem!?".
O «desculpa lá» é um conjunto de dois termos gramaticais que me transmite uma impressão mista de classe média baixa e benevolência piedosa. Nos difíceis primeiros dias de «selva redaccionária» cheguei a entrar em pânico. Em boa hora percebi que era prática comum por estes lados.

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

Ia sentir-me demasiado fútil se não falasse do Cunhal

Tenho de lhe dedicar uma nota. Nunca liguei nenhuma à figura do Álvaro Cunhal e a minha vida sempre decorreu normalmente sem ele. Mas olha que caramba, não se fala de outra coisa e começo a sentir-me um bocado emocionada. Ontem descobri que o homem era um "pessegão" (expressão bem ao jeito da geração dos nossos avós). Desde ontem, já formei algumas ideias: Cunhal - esse pedaço de mau caminho - era um romântico. Tinha a inflexibilidade romântica típica do seu tempo, com ideais rígidos que não se moldam a nada e lágrimas nos olhos quando se apregoam as convicções políticas.
Uma das coisas fascinantes na figura dele é o mistério de que se cercou sempre. Soares conta que nunca soube onde ele morava e que para marcar um encontro eram precisos vários intermediários. Extraordinário. Dei por mim a pensar que ele deve ter passado grande parte da vida enfiado em casa. Coitado do Cunhal. "Oh Álvaro, e se a gente fosse beber um café?" - podia lá ele dar-se ao luxo de ir calma e anonimamente beber o seu café... Por uma questão de coerência, prolongou o secretismo quando já não havia razão para isso.
Gosto de homens que cultivam o mistério. Talvez me tivesse apaixonado pelo Cunhal se tivéssemos andado juntos na faculdade. À excepção de que eu nunca cursaria Direito, mas faz'conta.
A morte de certas pessoas devia ser antecipada nos media. Porque às vezes só com a retrospectiva da vida dos personagens célebres é que nos damos conta de quem foram realmente. E, de repente, enchemos-nos de admiração. Salvé, camarada Álvaro.

6/12/2005

Sou devoto do Santo António. Acho que é o único santo que apadrinha uma bebedeira minha

Nem sei que título dar a este post estúpido

Hoje tive um sonho estranho. Basicamente, eu estava a ler um livro qualquer perto do mar, quando veio algo que podia ser um novo tsunamis. Até aí tudo bem. O pior é que durante o sonho/pesadelo a minha grande preocupação era salvar o livro e não a minha pessoa. (Isto até soaria bem, não tivesse eu de me salvar se realmente quisesse salvar o livro. Mas pronto.) No entanto, só passadas algumas horas de ter acordado é que me lembrei do sonho. E dei um passo na sua decifração. Estava a assar sardinhas e saiu-me "eu era o Camões", o que deixou a minha irmã de boca aberta e abanico na mão a olhar para mim. Pois é. Sonhei que era o Camões. Deve ser da proximidade com o 10 de Junho. Mas sonhei que era o Camões, sem aquela gola ridícula nem o olho à Camões. Vamos ficar por aqui.

Am I?

Será que escrever silly season antes de toda a gente faz de mim... um silly? Hope not.

Silly Season

Este ano, fui - de certezinha absoluta - o primeiro a escrever silly season. silly season silly season silly season silly season silly season silly season silly season silly season silly season silly season silly season silly season silly season silly season silly season silly season silly season silly season silly season silly season silly season silly season silly season. Já estamos na silly season, não é?

6/11/2005

Uma lenda viva!!...infelizmente já morta...



Norma Jean

Pessoa

"O próprio viver é morrer, porque não
temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um
dia a menos nela". Fernando Pessoa (1888-1935)

6/10/2005

MEU CORAÇÃO NÃO SE CANSA
DE TER ESPERANÇA
DE UM DIA SER TUDO O QUE QUER
MEU CORAÇÃO DE CRIANÇA
NÃO É SÓ A LEMBRANÇA
DE UM VULTO FELIZ DE MULHER
QUE PASSOU POR MEUS SONHOS
SEM DIZER ADEUS
E FEZ DOS OLHOS MEUS
UM CHORAR MAIS SEM FIM
MEU CORAÇÃO VAGABUNDO
QUER GUARDAR O MUNDO
EM MIM
MEU CORAÇÃO VAGABUNDO
QUER GUARDAR O MUNDO
EM MIM


Coração Vagabundo, de Caetano Veloso. A primeira música do primeiro disco de Caetano. Tenho pena de não saber por esta música no blogue. A voz de um Caetano adolescente que cantava no início dos anos de chumbo (Domingo data de 1967), que acompanhava a estrela Bethânia por Salvador, São Paulo e Rio. Que voltava a Santo Amaro da Purificação quando não acreditava algum dia poder a vir ter sucesso.


- Tenho outra urgência.
- Ahn?
- Ir à Amazónia
.

6/08/2005

Os fogos e a... Concertação Social

Um Governo prá frentex (acho esta expressão maravilhosa e vai bem com os Santos Populares) como este deveria ter uma abordagem original no que respeita ao combate aos fogos. Assim, proponho a concertação social para o sector. Sector? Claro, o fogo é um negócio tão legítimo como os outros. E também sabemos que grande parte dos incêndios são obra de mão criminosa. (Também há a questão das matas que ninguém limpa, mas essa não a vou referir porque não tem piada nenhuma.)

O executivo deveria preparar já uma reunião com proprietários das matas, madeireiros, sindicatos dos incendiários, indústria da celulose, uns senhores ambientalistas (tem que ser, não é?), uns ministros, bombeiros, empresas de helicópteros, o sr. Ruas (para zelar pelos interesses dos presidentes camarários que desejem passear nos helicópteros), protecção civil, uns jornalistas e pronto. Decidia-se tudo. Quem arde o quê, em que dias, quem ganha quanto, quanto recebe o Estado, que impostos se aplicam, que zona se destrói, que televisão têm os exclusivos, etc, etc, etc. Assim isto funcionava. Tudo muito bem pensadinho o fogo em Portugal até poderia ser benéfico.

É tudo uma questão de planeamento. Por exemplo, se a agenda dos fogos já tivesse sido aprovada, o António Costa não tinha o helicóptero a arranjar. É que ninguém o avisou que os fogos acontecem no Verão.

O timing da vida

Desculpe-se o registo diarístico: na segunda-feira tivemos reunião de estágio na Católica. Voltei à universidade para descobrir que não tenho saudades. Até há bem pouco tempo, suspirava ao pensar nos anos universitários, da vida descontraídamente inócua desses tempos felizes. Regressava de metro quando me lembrei: as cartas - jogava agora umas. Sentarmo-nos em grupos de quatro (quatro é bom, cinco é demais) nas mesas redondas do bar, fazendo ritmos impacientes com as mãos no tampo da mesa, enquanto um colega mais lento distribuía treze pedaços de papel que nos fariam ora felizes ora angustiados. Trocar olhares imperceptíveis (ou não) com o parceiro; fazer carreirinhos de vasas em direcção ao meio da mesa; esperar pela quinta jogada para pousar educada, delicada e cínicamente o jogo na mesa, apontando a evidência: é tudo meu. É tudo meu!
Estas recordações fizeram-me sorrir (Entrecampos - há correspondência com a Azambuja e outros arredores). E, num repente doloroso, senti que não me apetecia sentar-me numa mesa a jogar; que não tinha vontade de lançar nervosamente um Rei de corações; que as cartas já não eram o meu modus vivendis.
Um exemplo que se estende a tudo na vida: aos amores, aos trabalhos, aos interesses. Tudo perde actualização. Há quem diga que ainda bem, que se assim não fosse estaganaríamos no tempo. Mas as cartas... que pena já não fazerem sentido.
Muito injusto, o timing da vida. Diria mesmo cruel. Alguém anda a brincar connosco lá em cima.

6/06/2005



Um cantinho, um violão Este amor, uma canção Pra fazer feliz a quem se ama Muita calma pra pensar E ter tempo pra sonhar Da janela vê se o Corcovado O Redentor, que lindo Quero a vida sempre assim Com você perto de mim Até o apagar da velha chama E eu que era triste Descrente desse mundo Ao encontrar você eu conheci O que é felicidade, meu amor Um cantinho, um violão Este amor, uma canção Pra fazer feliz a quem se ama Muita calma pra pensar E ter tempo pra sonhar Da janela vê se o Corcovado O Redentor, que lindo Quero a vida sempre assim Com você perto de mim Até o apagar da velha chama E eu que era triste Descrente desse mundo Ao encontrar você eu conheci O que é felicidade O que é felicidade O que é felicidade, meu amor

Corcovado, na voz de João Gilberto

A P. vai ao Herman

Acabo de ouvir - e estou portanto chocado - da boca da P. que gostaria de "ir ao Herman". (Calculo que isto signifique ser entrevistada no Herman SIC, programa homónimo de Herman José, conhecido humurista portugués que se popularizou nos anos 80 fazendo caricaturas do quotidiano português e que, mais recentemente, teve alguns problemas com a justiça, nomeadamente por se relacional com adolescentes do mesmo sexo, notícias essas vindas a público dias depois do actor ter pintado o seu cabelo de louro-velhota-da-Praça-de-Londres.) Certo que sempre reconheci na autora da frase traços de personagem cómica ao género das sitcoms americanas, mas julgo que nunca ouvi uma coisa assim. Uma coisa é a P. misturar frases da Carrie com as da Samantha e combinar vestimentas incombináveis, saltitar em vez de andar pelos passeios e achar que está na tal cidade (acho que a P. tem preterido o sexo e ficado só pela sua urbana e cosmo vida). Mas daí até fantasiar com uma entrevista no Herman vai uma grande grande diferença. P. chega ao ponto de saber o que se sair com deixas estudadas, gestos bem pensados, pernas dobradas que são um desafio às leis da anatomia. E graça. P. acha que tem aquele savoir fair que só a nobreza ou aquelas que nasceram para ser beautiful people têm. Quando acabou foi intervalo, a P. mudou para a TVI, onde passavam as imagens repetidas de uma tia falida a discutir com um actor ex-toxicodependente que o devia ser à custa de aturar o la Feria. A P. então observou a cena com atenção e proferiu as derradeiras palavras: "não tenho dúvida nenhuma que se fosse prá quinta ganhava aquilo. É só uma questão de...". Quando a TVI foi para intervalo e a SIC ainda continuava a passar anúncios de produtos classe A e A+B a P. levantou-se e acendeu um cigarro à janela. Pensou um bocado e disse "amanhã tenho que ir ao banco. Tenho a merda do empréstimo atrasado dois meses". Pelo sim pelo não, resolvi dizer à P. que não tinha dúvidas que ela ser uma excelente entrevistada caso fosse ao Herman.

6/04/2005

Pois

Luís Figo diz que a vitória de hoje é uma recompesa para a derrota que a selacção nacional sofreu na última vez que esteve na Luz.

6/03/2005

Pior, muito pior

(continuação do post anterior.) A bom ver, nem é assim tão mau que haja um nome para cada área de cultura do Portugalzinho. Até há países que não chegam a ter um nome para cada coisa. Mas vamos ao que interessa. O pior de tudo é quando temos a versão portuguesa das coisas. Do género: o Ricky Martin português, o Spielberg português. Isso, senhores, isso é que é mau a valer.

Vejamos alguns casos célebres de malfadadas versões portuguesas e como elas são apresentadas no nosso Portugalzinho. Assim, quem não se lembra do primo português da Isabel II? Ou da pista portuguesa sobre a identidade do piano man? Ou Nayma, a Naomi portuguesa? Ou o senhor que enche o Olimpya, o Julio Iglesias português? Ou o português que ilustra os livros da Madonna? Ou o engraxador português dos sapatos do Rainer do Mónaco?

Isto sim, isto é triste. Porque é que temos que ter a versão da candonga do que se faz lá fora? Tudo num afã de rotular as coisas, como se tratar os que cá fazem qualquer coisa ficassem valorizados pela etiqueta da contrafacção.

Pior

(continuação do post anterior.) O pior nem é quanto abusamos de uma celebridade cultural. No fundo, nem é muito mau abusar-se de uma celebridade cultural. Tira-se tempo de antenas a outras celebridades de áreas nada recomendáveis. O problema reside quando se celebriza a prata da casa. Passo a explicar.

No Portugalzinho (culto, a dar-para-o-culto ou mal-culto) há um nome - e só um - para cada área das artes e letras lusas. Dois, no máximo, quando temos sorte (e mesmo assim, tem que ser um macho e uma fêmea, à laia de cotas). Por exemplo, o Ruy de Carvalho é o actor da nação (a Eunice Muñoz é a actriz da nação). O Siza é o arquitecto da nação (a pala do Siza é a obra da nação).

Depois temos os casos únicos (sem macho ou sem fêmea, depende). A Paula Rego é a mulher dos quadros do Portugalzinho. A Vera Mantero é a mulher das danças do Portugalzinho. A Agustina (que já despensa os Bessas e os Luíses) é a mulher dos livros do Portugalzinho. O António Damásio é o homem do cérebro do Portugalzinho. O José Gil é o homem da filosofia do Portugalzinho. O La Feria é o homem das revistas vistas no Portugalzinho. E mais uns nomes. Um para cada coisa, que isto da concorrência não fica bem na lusitana calmaria. Somos mesmo pequenos, chiça. Assim, até eu compreendo o défice.

Auster

Ando a ver a entrevista da Ana Sousa Dias ao Paul Auster há três ou quatro dias. Aliás, o escritor do Portugalzinho culto do momento é o Auster. Não há outro nos dias que correm. O Portugalzinho culto escolhe um nome e pronto, usa até gastar como se não houvesse outro. Esta é a vez de Auster. Enjoe it.

Não só os cientistas...

Sim, Ana, os cientistas são sérios. Mesmo sérios. Aliás, só vejo uma profissão capaz de competir com a honestidade dos cientistas. São os cangalheiros. Os agentes funerários, para ser politicamente correcto, como diz a f. Não enganam ninguém, a pessoa vai lá, paga e está tudo resolvido. E até há uns com bom humor. Alguns até dizem "chega de coisas tristes: a quanto é que está o caixão?". Isso sim é gente honesta. Sérios à séria.

6/02/2005

Pista disponível

Caminhando contra o vento
Sem lenço, sem documento
No sol de quase Dezembro
Eu vou

Que estilo é o teu?*

a) Anos Dourados
b) Anos Rebeldes
c) Anos de Chumbo


*Conta para nota.

Triste a vida dos barricados

Acabo de ser esclarecido pela SIC relativamente a uma conversa que ouvi no café à hora do almoço. Um homem barricou-se num centro comercial de Lisboa. Até aí nada de novo, uma vez que para os lados da 5 de Outubro é costume isto das pessoas se barricarem e ameaçarem explodir coisas. No entanto, e não sei porquê, comovo-me com certos motivos que levam a actos parvos. Parece que o barricado de hoje só queria chamar a atenção para os ordenados que tinha em atraso, visto que o tal centro comercial não lhe pagava os serviços de segurança que exercia. Imagine-se o desespero que deve sentir uma pessoa para... barricar-se. Imagine-se as dívidas que tem, os credores que telefonam (na melhor das hipóteses) todos os dias ao barricado. Imagine-se, talvez, como vivem os filhos de um homem que se barrica porque não lhe pagam. É... o país vive tempos difíceis.

6/01/2005

My sweet America

Silver Ring Thing. Este é o nome de um movimento across the states que tem como mote inspirador a virgindade da piquenas americanas. Passa-se assim: as letras de rap, os comediantes e os rock'n rollers fazem o seu trabalho normal. Mas com uma pequena nuance. Tudo, tudo tem como background a defesa da virgindade até ao casório. Como (para quem pergunta)? É simples. Pode fazer-se tudo, excepto penetração. Mães e pais deste país, é mais fácil do que parece isto da educação sexual. E já se faz na saudosa pátria há uns anos. Anda o governo a debater a educação sexual quando o povo já se sabe educar`há que séculos.

Sem estórias

No escritório da Bertz & Fausen, companhia importadora de produtos provenientes de todos os cantos do mundo, e onde trabalhava havia mais de três anos, não construíra uma única amizade ou efémero relacionamento e rara fora a vez com que saíra com algum colega depois da hora de expediente para tomar uma bebida. Também não lhe era conhecido nenhum relacionamento sério com alguma rapariga, nem tão pouco fora alguma vez visto com uma das muitas putas que se ofereciam a troco de algumas moedas e que povoavam as estreitas ruelas que rodeavam o edifício onde o escritório da Companhia estava instalado. A sua história era uma incógnita para os colegas e tornara-se tema recorrente de grande parte das conversas que, entre as cinco e as seis e meia da tarde, esses homens tinham numa das muitas tabernas que povoavam aquela zona da cidade. No entanto, verdade seja dita que poucos eram aqueles que alguma vez tinham encetado qualquer tipo de aproximação em relação àquele sujeito tão peculiar, que vestia invariavelmente um casaco preto de acossada cambraia por cima de uma camisa branca de colarinhos quase transparentes, apertada até ao último botão, quer fizesse chuva ou o calor e humidade tornassem inúteis as quatro grandes ventoinhas do escritório, mandadas instalar pelos proprietários: dois alemães que encontraram no clima tropical a penitência dos seus pecados. O seu aspecto físico não era, de igual modo, dos mais apelativos. Muito franzino e de aparência débil, com dois olhos de carvão cravados numa tez morbidamente pálida, assemelhava-se grandemente a um dos muitos judeus que chegavam São Paulo e que eram alvo de desconfiança generalizada.

Hoje conheci um gajo que era assim.

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acbou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado

Construção, Chico Buarque

Uns tempos depois

Graves problemas com a internet (não se deixem tentar pela simpatia de um sapo parvo, que demora semanas a ficar mais rápido do que a própria sombra) têm-me mantido afastado da blogosfera. Mas julgo que não é tarde para agradecer à Charlotte* o destaque que deu ao Leões (as visitas dispararam em flecha).

Também não posso deixar de comentar a nova aquisição do Glória Fácil. Pelos posts, pelas minúsculas e por um texto fantástico publicado no sábado no DN.

O Lameira também escreveu um texto que me deixou a pensar. Não tanto a respeito do post, mas sobretudo no autor. É que ninguém escreve uma tese sobre a expressão em particular. O que é pena!

Finalmente, um novo blogue que já faz parte da lista dos preferidos. Aqui.


* O Gilberto de hoje é muito bom. Já agora, como é que se faz isso de pôr músicas on-line?