4/01/2005

In the biggest city of South America

Chamava-se Nena. Uma mulher gorda, roupa justa e cabelo curto pintado de vermelho. Brincava com a sua própria desgraça. Tinha entrado numa nova fase da vida. Não choro mais, não!. Contava a sua tragicomédia quotidiana. O alcoól. As festas. Os "negões" que ocupavam um papel de destaque nos dias demasiado longos. Frases interrompidas com estrondosas gargalhas.

Teve uma filha. Teve. Fora assassinada no morro. Nem isso lhe diminui a vontade de viver. Falava com as mãos. Segurava um cigarro. Bebia cerveja e brincava com o chinelo de plástico. Sacudia a cinza que caía na saia. Dizia que era feliz.

Convenceu-nos a visitar o botequim onde costuma ir dançar fórró. Muito bem frequentado. Só amigos e gente boa. Elvira. Já passava dos cinquenta. Loira, unhas cor de sangue. Era a dona dor bar. Um maricas escanzelado ajudava-a aos fins-de-semana.

Servia-nos umas cervejas. Contava que Nena era uma das suas melhores clientes. Chegava a sair dali por volta das sete da manhã, imaginem, e ia directa para o trabalho. Depois de uma noite inteira a fazer rir. É, eu sou assim!.

Falava de sexo. Falava com as mãos. Contava os seus podres. Tinha tido uma filha. Drogas. Era feliz, dançava "forró". Bebia como um homem, algo lhe queimava a garganta. Gostava da vida que tinha. Não se prendia a ninguém desde que a filha morreu. O marido batia-lhe. Chamava-se Nena.

O sol punha-se ás sete da tarde. Despedimo-nos de Elvira e do seu bar de traves azuis, paredes de verde-água. Uma fotografia. Só uma. Os pneus do carro no asfalto quente. A cidade de fim de tarde. As janelas abertas e o vento a bater na cara. Era São Paulo. Era Nena. No rádio, os Morcheeba. My life is just one big cliché…

FEVEREIRO DE 2003