6/01/2005

Sem estórias

No escritório da Bertz & Fausen, companhia importadora de produtos provenientes de todos os cantos do mundo, e onde trabalhava havia mais de três anos, não construíra uma única amizade ou efémero relacionamento e rara fora a vez com que saíra com algum colega depois da hora de expediente para tomar uma bebida. Também não lhe era conhecido nenhum relacionamento sério com alguma rapariga, nem tão pouco fora alguma vez visto com uma das muitas putas que se ofereciam a troco de algumas moedas e que povoavam as estreitas ruelas que rodeavam o edifício onde o escritório da Companhia estava instalado. A sua história era uma incógnita para os colegas e tornara-se tema recorrente de grande parte das conversas que, entre as cinco e as seis e meia da tarde, esses homens tinham numa das muitas tabernas que povoavam aquela zona da cidade. No entanto, verdade seja dita que poucos eram aqueles que alguma vez tinham encetado qualquer tipo de aproximação em relação àquele sujeito tão peculiar, que vestia invariavelmente um casaco preto de acossada cambraia por cima de uma camisa branca de colarinhos quase transparentes, apertada até ao último botão, quer fizesse chuva ou o calor e humidade tornassem inúteis as quatro grandes ventoinhas do escritório, mandadas instalar pelos proprietários: dois alemães que encontraram no clima tropical a penitência dos seus pecados. O seu aspecto físico não era, de igual modo, dos mais apelativos. Muito franzino e de aparência débil, com dois olhos de carvão cravados numa tez morbidamente pálida, assemelhava-se grandemente a um dos muitos judeus que chegavam São Paulo e que eram alvo de desconfiança generalizada.