3/02/2006

Remédio para pesadelo

Desde que me lembro de ser eu (a consciência de si, esse fenómeno), tenho pesadelos recorrentes com a nossa ponte sobre-o-Tejo.
Tento exorcizar o fantasma expondo-o assim:
sonho que me aventuro a entrar do lado do rio e que, uma vez lá em cima – só eu, água em baixo, céu em cima –, não sei como regressar a terra. É-me impossível alcançar a margem. Não consigo ter-me de pé, há qualquer coisa de vertiginoso macabro raiz de todo o terror da vida naquela situação.
A estrutura metálica teima em abrir os seus buracos até que eu caiba dentro deles. Eu agarro-me a tudo quanto posso (qual Angelina Jolie trapalhona…), com a certeza de estar apenas adiando o inevitável.
Costumo dizer que quem não olhou pelos buraquinhos da ponte em criança não teve uma infância “normal”. Quem, vindo da praia da Caparica, calmamente no banco de trás do carro (vida inócua, sem responsabilidades, volta!), não se inclinou à entrada da ponte, para espreitar pelas centenas de quadradinhos e desafiar a privacidade do mar… Quem não o fez que levante o braço.
Ultimamente percebi a causa do meu problema: abusei de olhar pelos quadradinhos. Tive uma infância tal maneira normal, fui tão tão criança… que vim dar nisto.