3/22/2005

A estátua de Franco

Há uma rua em Salamanca que tem uma placa de azulejo azul e branco na qual só reparei muito tempo depois de ter chegado à cidade, ainda que estivesse colocada por cima do supermercado onde a vodka ranhosa era mais barata: “Calle Generalisimo”. Em resposta ao meu olhar mais desentendido do que atónito, lembro-me do Rodrigo me explicar pacientemente que em Espanha ainda resistiam símbolos vários do franquismo. Tive dúvida idêntica quando um amigo meu do Rio me dizer que estava a preparar um seminário para apresentar na Fundação Getúlio Vargas.

O governo de Zapatero resolveu esta semana, meu atabalhoadamente, retirar aquela que era a última estátua de Franco na capital espanhola. Obviamente, os protestos não se fizeram esperar: uma trintena de saudosistas ajoelharam-se diante de velas junto ao local agora vazio, o PP insurgiu-se contra a medida, um conhecido colunista escreveu que o método utilizado pelo governo não tinha sido o mais correcto.

Concordo com o colunista, por uma razão apenas: a estátua foi retirada em hora considerada “discreta”, enquanto em minha opinião tal medida deveria ser feita em plena hora de ponta, com o máximo de testemunhas possível, sem medos nem hipocrisias. Talvez exista outra razão que considere válida: a medida peca por tardia.

O motivo do ministério do Fomento para a retirada da estátua prende-se com uma tal obra pública. Mas não só. Respondendo a críticas da oposição conservadora, um membro do PSOE afirmou que a eliminação da estátua se justifica naturalmente, uma vez que a transição também é a progressiva supressão dos símbolos franquistas. Eis o leit motiv da medida, finalmente.

Assim, percebe-se que a Espanha democrática prefere não evidenciar ataques ao Estado Novo espanhol, preferindo dissimula-los. Sem necessidade. Um país que se torna democrático tem o dever de acabar com símbolos fascistas. Não numa tentativa e “apagar” o passado - com alguns advogam -, mas porque a democracia não pode fechar os olhos a esse passado. Não pode haver uma estátua de Franco no centro de Madrid, não pode haver uma estátua de Sadam Hussein em Bagdad, não pode haver uma Ponte Salazar. Não porque precisemos, para construir a nossa democracia, reduzir a escombros os símbolos do passado. Mas porque não podemos deixar que a impunidade vigore no nosso quotidiano através da ostentação do despotismo passado. Há marcas da história que se curam melhor depois de disfarçadas. As estátuas, as placas, as pontes são algumas dessas.