Filhos de terra (4)
Embora nos manuais se fale da hegemonia do catolicismo como algo transversal a toda a sociedade, a verdade não é bem essa. Existem locais tão isolados que mesmo os deuses são outros. É a terra, o vento e o fogo a quem se dirigem as orações e os valores são pouco ou nada cristãos. A bondade é uma coisa das sociedades desenvolvidas, da cidade, se quiserem. Na profundidade dos campos, apenas existe a terra que dá frutos e rio que dá peixes. Deus é um desconhecido, uma invenção inútil nos seus dias e noites. Isto acontece em locais que não aparecem nos jornais mas apenas nos mapas mais completos. São paragens isoladas que, durante o Inverno, não recebem mais do que quatro ou cinco horas de luz por dia. Trata-se de povoações ancestrais instaladas no fundo de vales intocáveis, como chagas insignificantes cravadas numa prega de pele que ninguém vê. Mas descanse-se o leitor, que não foi numa terra assim que nasceu Joaquim. Nos campos que o acolheram havia Deus e havia Igreja; só não havia bondade nem ninguém que a ensinasse. Talvez por isso, Joaquim nunca a aprendeu.
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