3/28/2005

O destino de Joaquim José dos Santos (3)

Nascido em 1889, embora nos cadernos do Registo Civil figure o ano de 1901. Mas nem mesmo ele sabia desse pequeno e insignificante pormenor, já que a sua mãe cedo se esqueceu de contar os anos do crescimento do filho e a criança, e depois o homem, nunca tiveram uma relação muito boa com o tempo e com a passagem deste. Aliás, o tempo nunca existiu para Joaquim; o presente sempre foi mais importante do que o passado ou o futuro, talvez porque desde sempre apenas sentiu o impulso da sobrevivência como regente único dos seus actos. Por vezes, a nascença é uma marca indelével no destino de um homem; para Joaquim, pelo menos, assim foi. Talvez por isso, sempre tenha aparentado ser mais velho do que realmente era. Claro que não se trata daquela diferença de dois anos, de todo. Não, embora de feições agradáveis e um tanto ou quanto fidalgas, Joaquim da Amélia nunca pareceu ter a idade que tinha. Mesmo em miúdo, já as rugas do seu futuro destino lhe estavam discretamente marcadas no rosto e lhe aumentavam o ar severo, que não era só culpa de umas sobrancelhas de carvão carregadas. Podemos dizer que Joaquim nunca foi uma criança e nunca o chamaram de menino. Já as velhas que com ele trabalhavam nos campos lhe tinham uma certa mania, embora na sua idade não pudesse aparentar nada mais do que inocência. Viam nele uma ameaça velada, como se comportasse dentro de si algo de repugnante. Mas nada diziam, pois também nele viam uma força punitiva que as obrigava a resignarem-se. Mas em defesa de Joaquim, podemos dizer que não passavam de velhas azedas, meio enlouquecidas pelo paganismo inerente a quem vive perdido entre montes e rios. Estavam, enfim, mais para bruxas que para beatas.