Se os padres fodessem...
A polémica Igreja/preservativo revela muita ignorância. É válida a opinião do Paulo Pinto Mascarenhas que concorda com a posição do Vaticano relativamente ao uso do referido anticonceptivo. Mas faz-me lembrar um bocadinho aquela a velha História das Coisas Banais. Saberá o Paulo Pinto Mascarenhas, mesmo como conservador liberal assumido, que o Mundo, que já foi plano, evolui. Entre outras coisas, passou a ser redondo-ligeiramente-achatado-nas-pontas; as pessoas passaram a tomar banho com uma frequência mais assídua; foi provado que a fotografia não tornava a alma humana refém de um poder oculto; e um sem número de outras coisas a que vulgarmente se chama evolução. Imagine-se que o próprio Vaticano até já pediu desculpas sobre os milhares de vidas que, ao abrigo da Inquisição, colheu.
Há muitos, muitos anos, a tourada à espanhola – para falar de um tema conservador que creio ser do gosto do Paulo Pinto Mascarenhas – era um bocadinho diferente. Os cavalos que eram usados para espicaçar inicialmente os touros lidavam com o lombo a descoberto, o que provocava dezenas de cavalos mortos por espectáculo (não sei se acha piada à ideia, mas vamos presumir que não, apenas para que este discurso possa fazer lógica).
Na ditadura de Primo Rivera foi introduzida uma alteração nas lides tauromáticas: o cavalo passaria a envergar uma protecção de couro chamada de peto. Antes do peto, vários cavalos morriam por tarde, os intestinos esventrados pelos cornos afiados. Quem já viu uma tourada à espanhola, sabe como o espectáculo seria horrendo se os cavalos não envergassem o peto. O cavalo dirigindo-se suicida a uma morte lenta, agonizante e inevitável. Nessa altura, Ortega y Gasset insurgiu-se contra a alteração, que acabava com toda piáda da fiesta.
Ortega y Gasset foi um homem do seu tempo, que hoje consideramos um humanista de excelência, um sábio. Foi com toda a certeza um homem de extremada sensibilidade. Mesmo assim, à luz do pensamento comum de hoje, as suas declarações sobre os touros parecem-nos aberrantes, como se Gasset tivesse sido um transviado ou um sádico.
Como será a Igreja apelidada daqui a uns anos? Uma Igreja de homens que são obrigados à castidade exige que a humanidade não utilize o preservativo, mesmo vivendo num mundo flagelado por doenças sexualmente transmissíveis.
Lembram-se daquela quase-lei do Lopes sobre as proibições aos tabagistas. Disseram alguns que ela não evocava as sedes partidárias, o parlamento, a residência oficial do primeiro-ministro, entre outros exemplos. Pois. Apetece evocar a respeito da polémica do preservativo o mesmo argumento: se os padres fodessem – e, como os outros homens, estivessem sujeitos à Sida e outras que tal –, já se podia usar o preservativo.
Por isso, Paulo Pinto Mascarenhas, devo perguntar-lhe o seguinte: será a temporalidade uma desculpa legítima? Virá a Igreja daqui a 500 anos, partindo do pressuposto que chega até lá, desculpar-se dos milhões de vida que rouba hoje através da evocação de uma lei natural que não existe?
Concordo com o João Pedro Henriques quando fala do “papel importantíssimo da Igreja na difusão de um discurso anti-preservativo cujos custos são os que se sabe”. E acredito quando diz que viu em “Timor-Leste a Igreja boicotar activamente campanhas da ONU de distribuição de preservativos, campanhas essas que tinham como único fim a salvaguarda da saúde pública.”
É uma pena o tempo que se perde quando não aceitamos a evolução; inevitavelmente, gastamo-lo a desculparmo-nos no futuro. É tudo uma questão de pensarmos sobre a nossa relatividade.
Há muitos, muitos anos, a tourada à espanhola – para falar de um tema conservador que creio ser do gosto do Paulo Pinto Mascarenhas – era um bocadinho diferente. Os cavalos que eram usados para espicaçar inicialmente os touros lidavam com o lombo a descoberto, o que provocava dezenas de cavalos mortos por espectáculo (não sei se acha piada à ideia, mas vamos presumir que não, apenas para que este discurso possa fazer lógica).
Na ditadura de Primo Rivera foi introduzida uma alteração nas lides tauromáticas: o cavalo passaria a envergar uma protecção de couro chamada de peto. Antes do peto, vários cavalos morriam por tarde, os intestinos esventrados pelos cornos afiados. Quem já viu uma tourada à espanhola, sabe como o espectáculo seria horrendo se os cavalos não envergassem o peto. O cavalo dirigindo-se suicida a uma morte lenta, agonizante e inevitável. Nessa altura, Ortega y Gasset insurgiu-se contra a alteração, que acabava com toda piáda da fiesta.
Ortega y Gasset foi um homem do seu tempo, que hoje consideramos um humanista de excelência, um sábio. Foi com toda a certeza um homem de extremada sensibilidade. Mesmo assim, à luz do pensamento comum de hoje, as suas declarações sobre os touros parecem-nos aberrantes, como se Gasset tivesse sido um transviado ou um sádico.
Como será a Igreja apelidada daqui a uns anos? Uma Igreja de homens que são obrigados à castidade exige que a humanidade não utilize o preservativo, mesmo vivendo num mundo flagelado por doenças sexualmente transmissíveis.
Lembram-se daquela quase-lei do Lopes sobre as proibições aos tabagistas. Disseram alguns que ela não evocava as sedes partidárias, o parlamento, a residência oficial do primeiro-ministro, entre outros exemplos. Pois. Apetece evocar a respeito da polémica do preservativo o mesmo argumento: se os padres fodessem – e, como os outros homens, estivessem sujeitos à Sida e outras que tal –, já se podia usar o preservativo.
Por isso, Paulo Pinto Mascarenhas, devo perguntar-lhe o seguinte: será a temporalidade uma desculpa legítima? Virá a Igreja daqui a 500 anos, partindo do pressuposto que chega até lá, desculpar-se dos milhões de vida que rouba hoje através da evocação de uma lei natural que não existe?
Concordo com o João Pedro Henriques quando fala do “papel importantíssimo da Igreja na difusão de um discurso anti-preservativo cujos custos são os que se sabe”. E acredito quando diz que viu em “Timor-Leste a Igreja boicotar activamente campanhas da ONU de distribuição de preservativos, campanhas essas que tinham como único fim a salvaguarda da saúde pública.”
É uma pena o tempo que se perde quando não aceitamos a evolução; inevitavelmente, gastamo-lo a desculparmo-nos no futuro. É tudo uma questão de pensarmos sobre a nossa relatividade.
4 Comments:
Não querendo discordar contigo, mas fazendo-O: acho que as coisas não são bem assim. Quem aceita pertencer e seguir as regras da Igreja Católica e, como tal, não usa preservativo; também deveria seguir as regras da Santa Madre Igreja e apenas praticar sexo com fins reprodutivos (e tal, como se sabe, é incompatível com o uso do preservativo ou qualquer outro meio anticoncepcional). Acho que o cinismo aqui é dos católicos e não da Igreja. Cada um é livre de usar ou não preservativos. E de seguir apenas os dogmas em que acreditam.E de pertencer a uma Igreja que defenda aquilo em que acreditam (se querem que os padres se casem, tornem-se anglicanos, por favor....). Se, por estas razões, houvesse uma debandada de crentes, talvez a Igreja se visse obrigada a rever algumas das suas posições ou então, pelo menos, perdesse aquela aura arrogante que verdadeiramente me irrita - a Igreja é, antes de mais, feita de e para os homens, não de e para santos...
Por uma vez, concordo com a Joana. De facto, as pessoas parecem tratar a Igreja como de uma entidade que tem verdadeiro poder de lhes impôr obrigações. Tal já aconteceu, mas hoje, felizmente, não é assim. Só é católico quem quer, só respeita as doutrinas da Igreja quem quer. A nossa discordância, enquanto não-católicos, roça o irrelevante.
Joana, no teu último ponto falas de estratégias de marketing! Eu no post falava da Igreja e de como ela influencia milhões a suicidarem-se por não usarem o preservativo. E diz-me lá Joana, achas que um gajo qualquer que viva Santo Colares de Puelga, no interior do México e siga os ensinamentos do padre sabe que há uma religião que se chama anglicanosmo. Ele faz o que o padre diz que ele deve fazer.
Até podemos concordar com a Igreja, se esta aprovasse o uso do preservativo. No entanto, não nos livramos dos que o defendem, usando para tal, títulos como o que deu ao seu texto.
Não sou nenhum beato, nem perto chego. Gosto dos palavrões, quase sempre. Mas, num blogue, que ainda assim é um espaço público, um título tão ofensivo é absolutamente execrável. Perde-se a razão, ou por outra, não se chega a ganhá-la.
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