5/10/2005

Panorama

Durante uns tempos, fez-me confusão encontrar alguém que já não via há muito tempo e aperceber-me da sua queda para a imutabilidade. Enjoava-me o modo como, tantos anos depois, as pessoas mantinham jeitos, certezas, hábitos e sítios. Durante muito tempo fiquei com dor de cabeça sempre que via o R. e a I. a passearem juntos pelo jardim onde aprendemos a fumar e despejámos garrafas de Três Marias. Especialmente em tardes quentes, cogitava neles o exemplo dos humanos que se cristalizam. Pensava para comigo (mas só para comigo) que eles perdiam todos os dias um bocado de vida, um bocado de evolução. Ultimamente, tenho voltado ao café do bairro. Acho que o Panorama continua a ser o café do bairro para muitos, mas para mim deixou de o ser. O João já não sabe que o meu café é curto, e a mãe dele trata-me como se trata um desertor. Tenho aparecido no Panorama às 9 da noite, uma vez que já não é preciso combinar. (Todos eles, menos eu, continuaram a ir às 9 da noite ao Panorama.) Agora, gosto muito de lá ir. Gosto porque sei que as pessoas que julguei imutáveis afinal o são com toda a dignidade. Que continuam a ir ao Panorama porque gostam que o Panorama faça parte da vida delas e que hoje, se quisesse voltar a beber Três Marias num parque vazio, seriam com elas. Talvez qualquer dia o João deixe de me perguntar se o meu café é curto. Talvez eu me envergonhe um pouco de não ter sido mais imutável.