6/14/2005

Ia sentir-me demasiado fútil se não falasse do Cunhal

Tenho de lhe dedicar uma nota. Nunca liguei nenhuma à figura do Álvaro Cunhal e a minha vida sempre decorreu normalmente sem ele. Mas olha que caramba, não se fala de outra coisa e começo a sentir-me um bocado emocionada. Ontem descobri que o homem era um "pessegão" (expressão bem ao jeito da geração dos nossos avós). Desde ontem, já formei algumas ideias: Cunhal - esse pedaço de mau caminho - era um romântico. Tinha a inflexibilidade romântica típica do seu tempo, com ideais rígidos que não se moldam a nada e lágrimas nos olhos quando se apregoam as convicções políticas.
Uma das coisas fascinantes na figura dele é o mistério de que se cercou sempre. Soares conta que nunca soube onde ele morava e que para marcar um encontro eram precisos vários intermediários. Extraordinário. Dei por mim a pensar que ele deve ter passado grande parte da vida enfiado em casa. Coitado do Cunhal. "Oh Álvaro, e se a gente fosse beber um café?" - podia lá ele dar-se ao luxo de ir calma e anonimamente beber o seu café... Por uma questão de coerência, prolongou o secretismo quando já não havia razão para isso.
Gosto de homens que cultivam o mistério. Talvez me tivesse apaixonado pelo Cunhal se tivéssemos andado juntos na faculdade. À excepção de que eu nunca cursaria Direito, mas faz'conta.
A morte de certas pessoas devia ser antecipada nos media. Porque às vezes só com a retrospectiva da vida dos personagens célebres é que nos damos conta de quem foram realmente. E, de repente, enchemos-nos de admiração. Salvé, camarada Álvaro.