Um concerto privado para Nelson Motta
Nelson Motta estava demasiado triste por aqueles dias. Não fazia muito tempo que se tinha separado de Marisa Monte, o Natal aproximava-se asfixiante e a entrada nos quarenta era algo ainda não resolvido. Combinou passar por casa do mestre. Quando chegou ao apartamento, João Gilberto esperava-o de terno, gravata posta, pronto para sair. Nelson estranhou, João Gilberto vivia em casa, escusava-se sempre a sair do território mágico que era o seu apartamento arejado, alto, inacessível. Para mais, dirigiam-se para a garagem: Nelson já ouvira que Gilberto conduzia, mas o facto parecia-lhe estranho. Tudo demasiado confuso, tal como aquela depressão. Passearam na praia, viram o mar, beberam uma água de coco, falaram, ouviram. Depois João Gilberto disse “vamos a sua casa”. Nelson já desistira de fazer perguntas e de entender aquela tarde. Rumaram a casa, a poucas quadras do apartamento de Gilberto. Quando chegaram, o velho retirou da mala do carro o violão. Subiram, Gilberto mandou que Nelson se sentassee dedilhou os primeiros acordes, calmos, penetrantes e melancólicos. Nelson não demorou a entender: Gilberto fazia-lhe um concerto, combatia a tristeza do amigo com a sua música, com a sua arte única.
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