4/12/2005

Saga (11)

Assim foi visto, por muitos anos da sua longa vida existência. A história de Joaquim José dos Santos e da sua longa descendência é volumosa, previno. Casta de homens e mulheres de difícil relação com um destino que não queriam e contra o qual lutaram, bafejados por infortúnios bastantes e amaldiçoados por uma força que deveria ser uma qualidade e não a fonte de mal. Foi a força, e não a ausência desta, a desgraça desta família. Talvez também a danação da origem do seu dinheiro, do seu estatuto e, enfim, de tudo aquilo que representavam. Mas isso será assunto para a nossa conversa mais à frente. Talvez até nos tenhamos distendido mais do que seria conveniente sobre a personalidade deste homem e, assim, deturpado irremediavelmente a objectividade quanto à análise das suas acções. Este foi só um homem que não quis fugir da grandeza de um destino. Dito assim, parece-me que equilibramos mais o discurso. Essa luta por um destino começou precisamente quando Joaquim decidiu abandonar o seu miserável mundo, onde não era mais do que um escravo. Dizer que trabalhou desde que pode suster-se nas pernas talvez seja um exagero, mas não pecará por muito. Os dezasseis anos que passara em Portugal, grande parte deles numa aldeia a mais de duas horas de mula da vila mais próxima, nunca tinham sido fáceis e nenhuma lembrança agradável daqueles tempos ocupava a memória de Joaquim. A última recordação que tinha da mãe, que o parira com catorze anos, era a de uma mulher com aspecto centenário; a cara sulcada de fendas curtidas pelo sol, chuva e lágrimas que chorava à noite, como tantas vezes ele ouvira no escuro da noite, quando não restava já nenhuma vela acesa e o som triste de um lamento atravessava as paredes argilosas até chegar à palhota onde dormia. Em momentos como esse, ele fechava os olhos com força e tentava, com uma vontade férrea, que o seu espírito se evaporasse dali, pensando em rios de águas límpidas e correntes rápidas que o levassem para longe.