3/21/2007

Sentimentos Naturais

Se nós também temos os nossos estados de espírito. Por que não há-de a Natureza, mãe de todos, ter o direito de se deprimir, de se alegrar, de se apaixonar, de morrer de tédio? As suas rotinas são de deixar qualquer um de rastos: põe sol-tira sol, dá vez à lua-amanhece, planta semente-dá árvore, gera vida-mata homens... Olha que caramba pá, há algum psicanalista na sala?? As catástrofes naturais são só isso: uma chamada de atenção de quem está farta de brincar sozinha. E nos dias cinzentos, do chove-não chove, tenho a impressão de que a Natureza foi para a pândega na noite anterior e apanhou uma tão grande que não se aguenta de enjoo. Ou então simplesmente não lhe apetece sorrir-nos - como nós uns aos outros, em tantos dias, sem que isso seja estranho.

3/01/2007

Óscar para Melhor Filme Estrangeiro II

Em 1977, na RDA, deixaram de ser contabilizadas as estatísticas dos suicídios, “auto-homicídios”, como passaram a ser chamados. Nessa altura, a Alemanha de Leste era apenas ultrapassada pelo suicídio na Hungria.
De lá para cá: tenho a sensação de que a democracia é, em certa medida, o embrião da anarquia, seu fim trágico. E nisto (vá lá…) tem de ser dada razão às profecias fascistas e à sua obsessão pela ordem e pela rigidez de comportamentos.
Parece impossível que tenha sido há tão poucos anos. Em 1985, a Alemanha de Leste – RDA – era controlada por uma Stasi sufocante, capaz de arruinar a vida de todos os cidadãos. As ditaduras e todo o seu esforço de austeridade cobrem-se de um ridículo difícil de expressar: talvez esteja na simplicidade física imposta ao ser humano; no próprio modo de andar, de falar, de comer; numa palavra: nos hábitos. Nos hábitos de vida impostos a uma população que, fechada dentro de quatro paredes recortadas numa geografia de região, têm acesso interdito ao resto do mundo: o Ocidente, que é tudo. Esse grande monstro.

Óscar para Melhor Filme Estrangeiro I

O argumento de As Vidas dos Outros é de uma profundidade que não está ao alcance dos mestres norte-americanos. A humanidade da história, a relação entre as personagens, o entrosamento lento da intriga, é tudo dum simples e despretensioso que escapa à superficialidade dos sentimentos ora heróicos, ora trágicos, chapa 4 do cliché, do cinema americano. Há, nestes filmes – de todos os idiomas de leste, neste caso alemão –, em que a língua nos dificulta a entrada no filme, uma evolução das personagens diante dos nossos olhos que parece feita em tempo real. Como é costume, o filme não nos agarra desde o primeiro instante. Mas uma vez apanhados na teia, como se interpretássemos uma daquelas personagens, a história toca-nos irremediavelmente.
Quando o muro de Berlim caiu, uma obsessão de transparência impôs-se quase como nova forma ditatorial, em arquivos com as pastas de todos os casos investigados pela polícia secreta. As cinzas desse tempo ainda se sentem. Na Hungria, a terra inspira-nos solidão, o seu cheiro lembra um povo triste, faz-nos desconfiar de uma máfia que espreita em cada esquina. Em Portugal não. Estado Novo para trás das costas, desconfio que não sejamos talhados para esses regimes. Ou então digo-o por ser a minha terra – a nossa, porque o colectivo me comove. E o amor não nos deixa ser objectivos.